sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Sentidos, conflitos, repetições.

Não quero fazer sentido. O sentido, às vezes cansado, toma a forma da falta de sentido. Dissimulado. Eu não sei, você não sabe - apesar de fingir muito bem saber. E o tempo vai passando. As semanas parecem dias e alguns dias parecem semanas. As ideias se vão como pombas assustadas no meio daquela praça suja. E voltam. As cores se perdem. E voltam. As palavras se perdem, as vontades se perdem, as manias, os amigos e os enfeites de cabelo. Nem tudo volta. Assim vai se seguindo sempre, minha única certeza é não ter certeza. E achar que se ama e que não se ama e que se ama independente de qualquer dependência. E vai se o vento, voando, voando alto. Balança a cortina branca. Sim, a mesma que contra luz tornava-se toda amarelada e fazia a silhueta das grades do portão. Os sentimentos às vezes são tão banalmente criados que confundem os verdadeiros. Eu escrevo, sem pensar nas palavras. Pensar... Pensar cansa. Pensamos demais. Demais. Tudo em excesso faz mal, até amar. A gente acaba se acostumando, fazendo virar rotina ou obsessão. Depois vem a dor. Ela se vai - pomba. E volta. Não ligo mais pra ela, apesar de às vezes a chamar um pouquinho. Só sei que, ao menos dessa vez, estou consciente das minhas escolhas.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Falha tentativa de racionalizar

Dei sorte, o ônibus hoje está vazio, as pessoas tranquilas. Por fora há paz. Dentro de mim as palavras correm como água escorrendo do vaso derramado, por vezem param, outras, gotejam como numa pia mal fechada. Voam, voam sem perceberem que não tenho às minhas mãos uma única folha de papel. Então fecho os olhos e o texto todo vai se formando na minha cabeça. Para que? Se apagar segundos depois e perder-se para sempre? Água suja, descartada. Percebo que o que há de real torna-se todo irreal. O lugar agora me parece antigo, vermelho. Então me sento numa poltrona de veludo e uma banda toca o mais bonito que há na música. Jazz. E desejo tão, tão profundamente não ser uma mera espectadora. Queria estar ali, sobre aquele palco, com um saxofone nas mãos, fazendo surgir de mim mesma o divino. Abraçando o mundo com a minha respiração e fazer do meu ar, do meu sopro de vida, a música, na sua forma mais pura de ser. Ou então cantar canções. Cantar. Me aperta tão forte esse desejo de estar além de mim, que meu corpo se sente sufocado, as lágrimas caem. Uma após a outra. E sinto novamente aquela sensação, aquela certeza de que não nasci para pertencer à humanidade, nasci para pertencer ao mundo. Sentir a terra vermelha sob meus pés descalços, abraçar a chuva e juntar com ela o meu lamento. Arrancar meus cabelos num grito de desespero, rasgar-me e sentir que estou viva, só para depois me recolher dentro de mim mesma e transformar-me numa sementinha quase invisível. Queria entender o que sabem sobre mim. E eu, o que sei sobre os outros? Eu não sei. E dizem que se estivessem no meu lugar agiriam de forma diferente. Forma diferente? Não sabem como é a sensação de me ser, não sabem os caminhos que trilhei e as decisões que tomei. Não há nada mais feio que julgar. Mas julgo, também julgo porque sou humana. Queria não ser, é bem verdade, mas que outra escolha me resta? Queria sentar-me entre as folhas e camuflar-me de verde. Ou velejar num barco pequeno pelos aléns dos aléns que hoje nem sei se existem. Ou quem sabe tornar-me um cão peludo e pulguento, vadio, buscando restos de alimento entre os sacos de lixo na rua? Mas de que me adianta sonhar com o impossível? Diga-me, então, para racionalizar. Eu tento buscar um sentido e às vezes chego tão, tão próximo... Nunca o suficiente para contar a alguém. Então vivo em devaneios, à espera que o sentido volte, mas ele nunca volta quando o busco. Às vezes em segredo, durante sonhos, sussura em meus ouvidos; ou quando há música, ele sempre volta quando há música. Esforço-me para entender que ninguém é igual a ninguém e aceitar o mundo que vivo. Não aceito. Os outros querem ser sempre mais que os outros. Eu não quero ser mais que ninguém. E também não quero abandonar o hoje, o agora, para prevenir meu futuro de dores. Me chame de imatura. Dê tapas na minha cara. Vou sempre dizer que você tem razão, pois tem, tem mesmo. Sinto muito, mas não aceito a razão. Não é isso que pedem dentro de mim. Pedem sempre que eu sinta. E se eu errar? Vou errar. Estou errando, olhe. O que me resta, então? Viver de prevenções para depois.. depois o que? Depois morrer? Não peço que concordem, nem mesmo que me escutem. Escutem a música só, é a única coisa que faz sentido. Viro-me de lado e volto à realidade. Um ônibus sujo, um livro nas mãos, as lágrimas rolando. Realidade essa a que eu me submeti ou outros me submeteram? Não importa. A água já está toda suja.