sábado, 24 de abril de 2010

Aos meus iguais, minhas lágrimas

Por que matam os peixes?
Na angústia do nada – eu sinto.
Sinto seu cheiro pútrido de coisa morta que não quer morrer.
Seus corpinhos atirados na carcaça de um barco qualquer, onde homens trabalham,
Indiferentes.
Na desesperança de meus olhos úmidos, há o ódio daqueles que suas vidas privaram.
Com que direito?
Com que direito tiro-lhes a vida para tirar-me a fome?
Silenciosos, os peixes não sobrevivem da minha piedade.
Entre seus iguais, fluem e vivem da ausência.
Eles não sabem,
mas ainda posso sentir o cheiro de suas entranhas derretendo em óleo quente.

O mar

Em certo navio velejava um velho marinheiro. Bigodudo e teimoso, jamais dispensava seu chapeuzinho azul e suas canções tristonhas. Vivia só, à mercê do mar. De vez em quando, perdia-se em lembranças terrenas. Boas sim, mas que enquanto duraram não o haviam satisfeito. Quando mais jovem, ao descobrir o mar, decidiu que seria este seu único destino. Sua família insistia –“Fique conosco” e sua irmãzinha de olhos chorosos suplicava – “Seja racional irmão, que vida você levará perdido, sozinho, em alto mar?”. Sonhador, ele não os dava ouvidos, o mar já o havia cegado, seria este seu caminho. Que pudesse ter mudado de idéia, escolhido outro destino, mas não, pois sabia que, assim feito, mais tarde arrependeria-se. Um tempo depois, tomou sua decisão. Levando seus poucos pertences comprou um pequeno barco e, assim, iniciou sua jornada. Por duas vezes, em conseqüência de uma forte tempestade, foi lançado de volta a terra, contudo, retornou ao mar. Por duas vezes perguntou-se se o destino não estaria tentando destruí-lo aos poucos ou se, de fato, isso não passasse de um aviso de sua família. O marinheiro solitário perguntava-se – “O que o levava a tomar as decisões que tomava? Porque não teria escolhido uma vida menos arriscada?” Ele não sabia, mas não achava que não saber implicava em desistir. Talvez fosse só um marinheiro tolo a assobiar músicas tristonhas. Um tolo à mercê do mar.


-
Para Stephanie, que me ensinou a pensar na vida metaforicamente <3

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Drogas

Um vento gelado batia em seus cabelos longos e suas roupas certamente tiradas de uma revista de moda dos anos 80. Os pensamentos vagavam em sua mente como bolhas, em uma fração de segundos estouravam umas e criavam-se outras logo em seguida. Como num filme rodando rápido, rápido demais, ela balançava seus cabelos à medida que a música tocava. Tocava dentro de si, cada vez mais alta. Tão alta que ela sentia como se seu cérebro fosse explodir a qualquer momento. Diversos instrumentos gemiam e arranhavam e, ao fundo, uma repetitiva e incansável batida eletrônica. Sua mente girava e cada parte do seu corpo tremia, em uma mistura completamente divergente de medo, êxtase e depressão. Após inabaláveis segundos que mais pareceram horas, ela percebeu seu real desejo. Necessitava gritar, colocar para fora tudo. Toda aquela agonia que foram os últimos anos de sua vida. Queria vomitar a inútil esperança que lutava em permanecer dentro de si, como se, por todo aquele tempo, ela só a tivesse enganado. De repente, uma lágrima rolou. Seu rosto ardeu como fogo em brasa e, erroneamente satisfeita, ela percebeu que aquilo era o fim. A música parou. Então, como se tivesse levado um soco, todo seu corpo foi jogado ao chão. Caiu estatelada, no chão frio e úmido, porém, inesperadamente ele a acolheu, como se permitisse uma sucessão de lágrimas que afinal viriam. Pela primeira vez em oito meses, ela podia chorar novamente.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

silêncio

As palavras estão em conflito comigo nesses últimos tempos. Nada que escrevo parece, nem o mínimo, aceitável. A única coisa que desejo é aumentar o som no último volume - um solo extasiante de baixo - até eu ensurdecer. Aí então eu experimentarei o silêncio infinito e quando essa hora chegar, você pode acabar comigo, pois estarei exausta de viver essa vida que finjo ser minha. Sinto-me disposta a aceitar qualquer desafio que me apresentarem, pois estou necessitada. Loucamente necessitada de um objetivo, qualquer que seja ele. Passei a qualificar todas as coisas em "leves" e "pesadas" desde que li Milan Kundera (uma espécie de transtorno obsessivo compulsivo) e hoje me sinto pesada, tão pesada, como se a qualquer momento fosse cair e nunca mais conseguir me levantar. Minha garganta está seca. Preciso abraçar ventos gelados para sentir a dor aguda que é ser - ou deixar de ser. São nesses momentos que penso que seria até legal crer em Deus, e me agarrar a ele em meus momentos de conflito, não às minhas frias ilusões.