quinta-feira, 27 de maio de 2010

Em busca de algo maior

Enquanto a estrada parecia interminável, o vidro embaçado embalava meus pensamentos e, pacificamente, parecia acolhê-los. Silenciosa, eu o agradecia, pois já me encontrava demasiadamente exausta deles. Meus pensamentos não pareciam preocupar-se nem um pouco com minha saúde e, quando os dispensei, rapidamente partiram, buscando transformar-se em minúsculas gotículas de chuva e voar em círculos com o vento, procurando descansar sobre a pele fria de um velho senhor que passava pedalando sua bicicleta. Meus olhos intrigados pareciam divertir-se muito mais com as árvores de folhas vermelhas do que preocupar-se em perdê-los em virtude de uma inesperada tempestade. De repente, um cão passou correndo; seus longos pelos aqueceram todo o meu pensamento-chuva e eu sorri, desejando mais que tudo ser como aquele simples animal. Talvez ele sentisse fome, é bem verdade, mas eu estava certa de que com o frio ele já havia se acostumado. Para mim, ele parecia extasiante e... livre. Naquele momento, me compreendi. Atrás do atrás do pensamento, ocultava-se a necessidade de viver - livre. Como era teimoso esse tal desejo de liberdade! O dia em que, sem ser convidado, decidia aparecer, demorava tanto a ir embora. Deu-se, então, com mais intensidade quando meus olhos passaram das árvores vermelhas ao enorme vale que se abria bem abaixo de nós. O vento me provocava e, naquele instante, percebi que ele estava intrinsecamente ligado com a liberdade. Sussurrava, pedindo-me para sair e dançar. Pobre vento! Não percebia que isso me era impossível. Com a dança, viria a morte e, certamente, não era isso que eu buscava. Buscava somente aquilo que, dia a dia, me restringiam: meu livre arbítrio. Em certa aula de filosofia, aprendi que, para pensadores medievais, de livre ele não tinha nada. Porém, eu sabia que ele existia, pois me chamava, me chamava desesperadamente. Suplicava para que eu o encontrasse. Mas eu estava longe. O sonho estava chegando ao final, a chuva, aos poucos, deixava de cair e, novamente, o sol aparecia. Então, meus pensamentos retornaram, um a um, para a minha cabeça. Cedo demais, voltei a tornar-me um protótipo de mim.

terça-feira, 11 de maio de 2010

Tudo estava escuro e turvo. Havia música preenchendo todo o espaço com um ritmo constante. Variavam-se os acordes de guitarra, isto é certo, mas os ouvidos habituados descansavam de prestar atenção. Gargalhadas altas, exageradas, muitas. Essas brincavam de colorir o espaço com variados tons de cor de rosa. A sua risada obviamente era a mais chamativa e parecia provocar-me, ludibriando a minha com evidência malícia. Estávamos todos nós ali, banhados de álcool e êxtase. Só um dos meus eus parecia compreender, os outros aceitavam passivos, demasiadamente embriagados, talvez. Jamais, aos meus olhos, você teria ostentado tamanha perfeição, exceto, porém, àquele dia em que caminhávamos, a sós, pela larga avenida. As primeiras vezes sempre ficam guardadas na nossa memória como as mais surpreendentes. Aquele dia, lembro-me claramente, o vento gelado bagunçava meus cabelos e sua extrema beleza peculiar cegava-me os olhos, foi uma primeira vez. Foi esta que me fez duvidar de tudo o que eu era ou havia sido, confundiu aonde antes reinava a ordem, fez eu ganhar novos olhos, me descobrir mais de mim. Éramos loucos e queimávamos nossos vazios com a bebida. Era perigoso estar à mercê de nossos desejos mais íntimos e sensações, envolvidos no agora, no real. Já não havia mais tanto espaço para os sonhos. Ingênuos, ríamos de nós mesmos e usávamos dos mais antigos jogos para nos distrair. Fosse verdade ou só fruto da minha imaginação, você parecia me provocar. De repente, nos encontrávamos perto demais, sua face roçando a minha, seu riso perto demais dos meus ouvidos, suas mãos me tocando. Cada toque seu era como consumir uma droga altamente estimulante. O mundo real havia ficado tão distante, a música há muito deixava de existir, as outras gargalhadas silenciavam-se pouco a pouco. O ambiente agora era um grande borrão negro e você era o único ser que permanecia, nítido, real. Eu te puxei pela mão. Nos primeiros instantes você pareceu hesitar, depois me seguiu, cego. Para onde eu estava indo? Não sabia. Uma única réstia de consciência piscava fraca, longe, mas eu podia enxergar bem o que ela dizia: longe dos olhares dos outros. E caminhávamos sérios, já não havia mais risadas. Você compreendia que estávamos tomados pelo desejo de sentir. Abri uma porta, estava escuro como o breu. Os outros, embriagados, nem notaram nossa ausência. Entramos e, naquele instante, qualquer destino que um dia fora traçado para mim, mudou drasticamente.


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Ps: Influências negativas de Álvares de Azevedo e uma tarde sem nada para fazer.