Certa noite estava eu, distraidamente tomando banho, quando reparo em um pontinho preto que nunca tinha visto antes na minha parede. Devido à minha miopia, não percebi de imediato, mas, ao me aproximar um pouco mais, vi o que era o tal do pontinho: uma mosquinha repugnante me encarava.
Uma onda de repulsa percorreu pelo meu corpo. Eu a encarei com desprezo e estava pronta para matá-la quando, de repente, ouço uma vozinha fina vinda da parede:
- Você não tem medo de que em outras vidas a gente possa se encontrar novamente e eu me vingue de você?
- Hãn? Do que você está falando? Quer dizer: você está falando?!
- Preste atenção - ela respondeu, evidentemente ignorando meu espanto. - Imagine que, sei lá, eu reencarne como um psicopata e volte aqui para vingar minha morte..
Que engraçado, eu tinha uma mosca na minha parede e ela tentava me intimidar.
- Mosca, mosquinha... eu não acredito em reencarnação - respondi, rindo sarcasticamente.
Ela retrucou:
- Que seja então, aposto que quando você morrer, Deus vai te castigar. Ele foi bem claro quando mandou colocar nos dez mandamentos: "Não matarás.". Aí enquanto eu estiver feliz pulando sobre nuvens no Paraíso, você estará sofrendo no Inferno por ter pecado.
Cada vez essa conversa tornava-se mais hilária. Agora eu tinha uma mosca que, além de estar na minha parede, interrompendo meu banho e procurando me intimidar, ainda tentava falar sobre Deus. Eu repliquei:
- Para sua informação, mosca, eu sou atéia, viu?
Ela me encarou por alguns segundos.
- Humanos, sempre achando que sabem de tudo... - debochou - Tudo bem, então vá em frente e me mate.
- Agora você não se importa mais com a morte? - perguntei.
- Por que eu me importaria? - ela respondeu pacificamente - Afinal, sou uma mosca. Minha vida baseia-se em voar tolamente de uma parede para outra, de uma para outra, de uma para outra...
- Mosca.. - eu a interrompi - Mosca, eu entendi. Mas você não teme que, após a morte, não haja nada, nem sequer suas feias asas cinza para que você possa voar?
- Sinceramente, não. - ela me olhou pensativa - Eu sou somente uma mosca, um animal irracional, lembra?
- Ah é? Então se você é um animal irracional eu estou conversando com quem?
- Acho que sozinha. - tinha os olhos tristes - sinto muito.
Quando me dei conta da minha insanidade, não pensei duas vezes, peguei a saboneteira e esmaguei aquela criaturinha sem dó contra a parede. Posso até ser insana, mas não vou suportar que moscas tenham compaixão por mim. Como odeio moscas...