quinta-feira, 10 de junho de 2010

Curto diálogo com uma mosca

Certa noite estava eu, distraidamente tomando banho, quando reparo em um pontinho preto que nunca tinha visto antes na minha parede. Devido à minha miopia, não percebi de imediato, mas, ao me aproximar um pouco mais, vi o que era o tal do pontinho: uma mosquinha repugnante me encarava.

Uma onda de repulsa percorreu pelo meu corpo. Eu a encarei com desprezo e estava pronta para matá-la quando, de repente, ouço uma vozinha fina vinda da parede:

- Você não tem medo de que em outras vidas a gente possa se encontrar novamente e eu me vingue de você?

- Hãn? Do que você está falando? Quer dizer: você está falando?!

- Preste atenção - ela respondeu, evidentemente ignorando meu espanto. - Imagine que, sei lá, eu reencarne como um psicopata e volte aqui para vingar minha morte..

Que engraçado, eu tinha uma mosca na minha parede e ela tentava me intimidar.

- Mosca, mosquinha... eu não acredito em reencarnação - respondi, rindo sarcasticamente.

Ela retrucou:

- Que seja então, aposto que quando você morrer, Deus vai te castigar. Ele foi bem claro quando mandou colocar nos dez mandamentos: "Não matarás.". Aí enquanto eu estiver feliz pulando sobre nuvens no Paraíso, você estará sofrendo no Inferno por ter pecado.

Cada vez essa conversa tornava-se mais hilária. Agora eu tinha uma mosca que, além de estar na minha parede, interrompendo meu banho e procurando me intimidar, ainda tentava falar sobre Deus. Eu repliquei:

- Para sua informação, mosca, eu sou atéia, viu?

Ela me encarou por alguns segundos.

- Humanos, sempre achando que sabem de tudo... - debochou - Tudo bem, então vá em frente e me mate.

- Agora você não se importa mais com a morte? - perguntei.

- Por que eu me importaria? - ela respondeu pacificamente - Afinal, sou uma mosca. Minha vida baseia-se em voar tolamente de uma parede para outra, de uma para outra, de uma para outra...

- Mosca.. - eu a interrompi - Mosca, eu entendi. Mas você não teme que, após a morte, não haja nada, nem sequer suas feias asas cinza para que você possa voar?

- Sinceramente, não. - ela me olhou pensativa - Eu sou somente uma mosca, um animal irracional, lembra?

- Ah é? Então se você é um animal irracional eu estou conversando com quem?

- Acho que sozinha. - tinha os olhos tristes - sinto muito.

Quando me dei conta da minha insanidade, não pensei duas vezes, peguei a saboneteira e esmaguei aquela criaturinha sem dó contra a parede. Posso até ser insana, mas não vou suportar que moscas tenham compaixão por mim. Como odeio moscas...