segunda-feira, 9 de agosto de 2010

A lima da pérsia

Acontece que um dia, sem fome, sem vontade, sem nada, me surgiu a ideia de comer uma lima da pérsia. Assim sendo, abri a segunda gaveta da cozinha em busca de uma faca que fosse afiada o suficiente para que a tarefa de descascar uma lima se tornasse, no mínimo, tolerável. Quando enfim encontrei a de meu agrado fui, em movimentos circulares, descascando devagar sua pele lisinha. Meus dedos apertavam firmemente seu corpinho rechonchudo, enquanto as fatias da casca seca e amarelada que a protegia iam caindo desgraçadamente sobre a toalha. Enfim, só restou-se aquela camada branca da fruta, aquela pele macia que tão graciosamente a envolve, última defesa da polpa que descansa em ingênua segurança. Pobre lima da pérsia! Eu perdida em tolas divagações humanas, mal me dava conta de que desvendava seu segredo mais íntimo. Meus dedos faziam seu corpo rolar de um lado para o outro, de um lado para o outro. Subitamente, porém, eu parava, arrancando sua pele branca com as minhas unhas afiadas. Meus pensamentos voavam longe, bem longe dali. De repente me cansei, peguei a faca e parti a pobre fruta no meio. Ah se ela pudesse gritar! Provavelmente agora eu estaria ensurdecida, tamanho seriam suas súplicas e lamentos. Arranquei uma a uma suas sementinhas miúdas e meti um pedaço na boca. Foi então que meus pensamentos voltaram-se para ela. Olhei para a lima com atenção, nunca antes havia reparado como era bonita. Toda feita de fiapinhos recheados de água doce com perfume de flor. Passei a brincar de desfazer aqueles gominhos. E pensava: soltem-se dos seus irmãos! Os segundos pareciam horas enquanto eu me entretinha na minha inconsciente e sádica diversão. Então, comi mais um pedaço. Aí fui comendo; mais um, mais um e ainda outro. Quando me dei conta já havia comido a lima todinha. Eu tinha comido uma vida. Uma vida toda. Meu corpo inteiro começou a tremer, meu estômago dava voltas e voltas. Era vida destruindo vida. Senti uma dor aguda, súbita vontade de pôr tudo para fora. Aquela foi a primeira vez que senti nojo de viver.

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