terça-feira, 11 de maio de 2010

Tudo estava escuro e turvo. Havia música preenchendo todo o espaço com um ritmo constante. Variavam-se os acordes de guitarra, isto é certo, mas os ouvidos habituados descansavam de prestar atenção. Gargalhadas altas, exageradas, muitas. Essas brincavam de colorir o espaço com variados tons de cor de rosa. A sua risada obviamente era a mais chamativa e parecia provocar-me, ludibriando a minha com evidência malícia. Estávamos todos nós ali, banhados de álcool e êxtase. Só um dos meus eus parecia compreender, os outros aceitavam passivos, demasiadamente embriagados, talvez. Jamais, aos meus olhos, você teria ostentado tamanha perfeição, exceto, porém, àquele dia em que caminhávamos, a sós, pela larga avenida. As primeiras vezes sempre ficam guardadas na nossa memória como as mais surpreendentes. Aquele dia, lembro-me claramente, o vento gelado bagunçava meus cabelos e sua extrema beleza peculiar cegava-me os olhos, foi uma primeira vez. Foi esta que me fez duvidar de tudo o que eu era ou havia sido, confundiu aonde antes reinava a ordem, fez eu ganhar novos olhos, me descobrir mais de mim. Éramos loucos e queimávamos nossos vazios com a bebida. Era perigoso estar à mercê de nossos desejos mais íntimos e sensações, envolvidos no agora, no real. Já não havia mais tanto espaço para os sonhos. Ingênuos, ríamos de nós mesmos e usávamos dos mais antigos jogos para nos distrair. Fosse verdade ou só fruto da minha imaginação, você parecia me provocar. De repente, nos encontrávamos perto demais, sua face roçando a minha, seu riso perto demais dos meus ouvidos, suas mãos me tocando. Cada toque seu era como consumir uma droga altamente estimulante. O mundo real havia ficado tão distante, a música há muito deixava de existir, as outras gargalhadas silenciavam-se pouco a pouco. O ambiente agora era um grande borrão negro e você era o único ser que permanecia, nítido, real. Eu te puxei pela mão. Nos primeiros instantes você pareceu hesitar, depois me seguiu, cego. Para onde eu estava indo? Não sabia. Uma única réstia de consciência piscava fraca, longe, mas eu podia enxergar bem o que ela dizia: longe dos olhares dos outros. E caminhávamos sérios, já não havia mais risadas. Você compreendia que estávamos tomados pelo desejo de sentir. Abri uma porta, estava escuro como o breu. Os outros, embriagados, nem notaram nossa ausência. Entramos e, naquele instante, qualquer destino que um dia fora traçado para mim, mudou drasticamente.


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Ps: Influências negativas de Álvares de Azevedo e uma tarde sem nada para fazer.

3 comentários:

  1. nossa luísa, vai se fuder muito, esse texto tá incrivelmente bom. manda pro jornal, sei lá, qualquer coisa, tá realmente ótimo. coloquei no meu tuinter.

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  2. concordo com a pati, muito bom de verdade!
    aiaia mas nem faço comentarios a parte.

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