quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Um conto

Em busca do frio, do silêncio, do escuro e da solidão, me encontro em frente ao portão verde que me prende à rotineira realidade. Já é quase meia noite e não posso ver se há lua no céu. Na rua, luzes amarelo-avermelhadas se tornam provas de que ainda não fui para a cama dormir. Um girar de chaves e um passo a mais e me exporia ao perigo, mas hoje eu nem sequer penso em procurá-lo. Sento no chão de azulejos vermelhos e encaro o portão e o mundo lá fora. Não consigo encontrar a escuridão que procuro tampouco o silêncio. A cidade nunca dorme. Apesar disso encontro o frio, ou ele me encontra. O vento gelado tenta acariciar minha pele protegida pelo grosso casaco de lã, porém, só alcança meus sofridos pés descalços. Ele assovia para mim e, por um instante, tenho a esperança de que sejam as respostas que busco, entretanto, os assovios não passam de lúgubres e repetitivas perguntas. O vento se adentra em minha cabeça e embaralha todas elas, como num carrossel elas giram sem parar mas, diferente disso, se descontrolam e passam a ser expelidas de lá. Por que não quero mais ficar aqui e me sinto como se não mais fizesse parte desse mundo? Por que necessito de constantes mudanças? Eu quero tanto ficar só, busco desesperadamente minha solitude, mas ao mesmo tempo, quero companhia e carinho. E em resposta a essa triste constatação, o vento faz lágrimas brotarem e caírem de meus olhos. Meu rosto queima. Tento, em vão, secá-las com a manga de meu casaco, elas não desistem de cair e meu rosto arde ainda mais. Incessantes tremores percorrem meu corpo e o turbilhão de perguntas faz minha cabeça desejar transformar-se em uma bomba só para ter o prazer de explodir. Sinto uma intensa vontade de torturar uma por uma as perguntas que tanto me torturam e, descubro tardiamente, que o vento é meu inimigo e não quer me trazer as respostas. Meu rosto continua a queimar e meu corpo a tremer de frio. Como posso, ao mesmo tempo, querer estar sozinha e acompanhada? Como é difícil me satisfazer. Sempre estou à beira de um precipício, perdida entre antagônicas ideias e decisões que nunca vou tomar. Dois gatos passam pelo meu portão, um de cada vez. O primeiro dá um salto e entra na casa da vizinha. O segundo mais cauteloso, para, a fim de me observar. Por um instante me esqueço de tudo e tento chamá-lo para mais perto de mim, porém, assim como o primeiro, dá um salto e me abandona. Novamente só com o vento. Imediatamente a incontrolável necessidade de fugir apodera-se de cada centímetro do meu corpo. Como eu queria ser livre como um gato, solitária, vagabunda, dona de minha liberdade e, mesmo assim, receber carinho e ser amada quando me desse vontade. Não dá para se ter tudo, um pensamento mais racional replica. Meu corpo pede meu tão próximo lar aquecido e meus pés sussurram reclamações sobre o vento e me imploram para voltar. Por mais alguns segundos aprecio a infame companhia do vento, então o abandono. Entro em casa e esquento café na maior xícara que encontro. Bebo rapidamente e sinto minha língua queimar. As perguntas não se vão com o vento, mas tornam a esconder-se nos cantos obscuros de minha mente onde não há carrosséis. Assim, desperto novamente e volto a minha realidade vazia. Sem perguntas nem respostas.

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